1. |
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Todo dia a gente acorda, come, caga, banha, bebe e trabalha
Todo dia a gente acorda, escova os dentes, passa desotorante e às vezes a navalha
Parece próxima, parece tão próxima que parece ser mais fácil desistir
Do consumir de toda essa batalha
De desistir de todo essa desgraça
Quantas milhões de vezes a gente já se viu nesse mesmo espelho
Narizes tortos, bocas tortas, dente precisando de aparelho
Até os olhos sucumbem ao sangue que já invade a íris sempre vermelho
Do consumir de toda essa batalha
De viver sempre à caça
Como sair desse lugar que todo dia é correr contra o tempo
De acordar de noite pensando Jesus vai ser assim todo momento
Todo dia consciente que o tempo tá passando sem consentimento
Todo dia ela faz tudo sempre igual
Todo dia ela faz tudo sempre igual
Do consumir de toda essa batalha
Do suspirar dessa cachaça
Agarrando pelos cabelos
Os momentos que são bons
A felicidade
É tão passageira que a gente
Pensa que todo dia que a gente vai trabalhar
A gente tá trabalhando pra construir
A gente tá investindo na gente mesmo
A gente tá sonhando com alguma coisa
A gente tá consumindo a gente mesmo pra construir
O que mesmo que eu nem lembro mais
Um dia qualquer já pode ser demais
E a gente se multiplica feito coelhos
Transando, trepando, fingindo que tá fazendo amor
Sempre multiplicando o que tem de pior na gente mesmo
Sempre fazendo, nos forçando, forçando os outros
Invadindo o que não é nosso, destruindo o que não é nosso
Destruindo a gente mesmo
Por que eu nem me lembro mais
Um dia qualquer já pode ser demais
Todo dia a gente acorda e descobre o que não pode mais fazer
Criando máscaras e não sendo a gente mesmo
Sempre fazendo, nos forçando a ser o que não somos
Enganando o cérebro que já tá pra lá de desgastado
Pra não invadir o que é do outro, pra não destruir o que é do outro
Destruindo a gente mesmo
Por que eu nem me lembro mais
Um dia qualquer já pode ser demais
Agarrando com todas as proteínas
Os resquícios de uma vida
Que já não existe mais
Porque quando a gente acorda, quando a gente acorda
Sai com os amigos e se agarra até a última polegada de compreensão
De empatia, de saber que talvez a gente não tá tão sozinho assim
Mas na hora que o cara precisa duma ajuda some todo mundo e só aparece uns filho da puta que tão querendo se aproveitar
Do que exatamente
De qualquer coisa que seja um resquício
Feito burros com nossas viseiras
Inteligentes demais pro nosso bem
Burros demais pro nosso bem
Carregando trouxa de roupas, carregando malas pra lá e pra cá, carregando equipamento, carregando móvel, carregando livro, carregando compra
Carregando carga feito animais de carga
Será que a vida é só isso?
Será que essa vida toda vai ser só isso?
Mais uma história de melancolia escura que eu preciso consumir
Pra me legitimizar, pra me confortar
E me lembrar que nada do que eu penso é tão maluco assim
Que a gente vive numa realidade sem sentido e violenta
Com uma mente e um corpo que conspiram contra nós o tempo todo
O que que a gente pode fazer?
Me diz o que que a gente vai fazer?
Me agarro no último suspiro
Todo dia ela faz tudo sempre igual
E se agarra no último suspiro
Da memória do que ela foi
Num tempo de alegria
Que agora já passou
Quando chove aqui
Você olha e o tempo já mudou
Agora, já passou
Já passou
Já passou
Já passou
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2. |
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Cansado de lidar com marmanjo
Que devia tá fazendo terapia
Um deles não consegue nem dizer
Porque que ele se sente tão mal
O outro não consegue nem ver
Porque que ele se sente tão sozinho
E então vocês ficam lamentando
"Meu deus como o mundo é tão vazio"
Sem perceber que o vazio tá aí dentro
Sem perceber que o vazio é aí dentro
Talvez é porque o mundo todo
Tá cansado demais, tá cansado demais
Cansado de lidar com marmanjo
Que devia tá fazendo terapia
Cansado de lidar com marmanjo
Que devia tá fazendo terapia
Um deles só namora com mulher
Que ainda não passou dos 20 anos
O outro não consegue nem tirar a roupa
Se não for na hora que ele vai transar
Não entende que não é aquele caso
De ser só uma coisinha que é o seu jeitinho
Não é porque você não gosta de azeitona
Não é porque você não gosta de sorvete
Sua namorada não é sua terapeuta
Sua namorada não é sua terapeuta
A moça vai na terapia
Pra lidar com os traumas dela
O moço vai na terapia
Pra saber que não dá mais pra viver
Achando que o mundo vai te aceitar
Acho que nós vamos aceitar
Cansado de lidar com marmanjo
Que devia tá fazendo terapia
Inutilidade não performada
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3. |
Cochicho
04:09
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Me conte sua história
Seu cheiro eu já conheço bem
Coloque um cochicho
Na minha memória
Uma memória só pra mim
Me conte sua história
Os seus desejos
Suas dores, seus amores
Eu sinto tanta saudade
Do começo de um amor
Não vou dizer que não sou feliz
Mas outro dia
Eu andei pensando
Em nós dois
E até imaginando
Mas isso é algo muito raro, muito raro, muito raro
Na tarde da noite
Os nossos únicos encontros
Feitos para não durar
Você dorme comigo mas só de vez em quando
Você pensa em mim mas só de vez em quando
Nós dois
Quem sabe noutro mundo
Na próxima vida
Eu seria seu
Você seria minha
Quem sabe noutro tempo
Espere por mim, morena
Na próxima vida
E se não voltássemos pra escola
E se não voltássemos pra faculdade
E se não voltássemos pro trabalho
E se não voltássemos pra nossa vida
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4. |
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O artista é um detetive ou não
É um observador
É conseguir ver além, pensar além
Sentir além
Ser artista é não ter medo ou não
É um enxadrista
Festa acabada, artistas a pé
Ser artista é ser alguém comum
Curiosamente o rock star
Não era anjo ou perfeito
Eu ouvi que até batia em mulher
Artista é um bicho escroto
Ser artista é fazer tudo mal feito
Ser artista é fazer business
Ser artista é ser político
Ser artista é ser mais uma pessoa
Um fingimento natimorto que não é verdade
Quando acabar a inspiração
Puxa uma caneta e escreve
Uma canção metalinguística
Sobre um artista que escreve sobre uma canção
Nasce uma estrela
O artista disse que pegou covid
Pra não pegar o avião
Pra tocar na cidade dele
Será que ele tinha medo?
Mas medo de quê?
Todo mundo ama um artista
Você é fã de quem?
Todo mundo ama um artista
Que é independente
Mas independe de quê?
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5. |
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Por que a gente faz isso tudo um com o outro?
Por que a gente se machuca tanto?
Por que a gente deixa de dizer
Deixa de dizer até que é tarde demais?
Fico sonhando feito um jovem
Você me fez sentir de novo como sente um jovem
Muita coisa na cabeça pra botar no papel
Eu sei, eu sei, eu sei
Eu consigo ser intenso demais, tenso demais
Tudo nessa vida é quebra de expectativas
Tudo nessa vida é feito de intrigas, de armadilhas
Um sonho me traiu nessa vida que só você seguiu
Você seguiu e eu aqui pregando o amor
Viver uma farsa me deixou doente
Dizer que eu não sinto sua falta me deixa doente
Por que a gente pensa o que a gente pensa?
Por que a gente sente o que a gente sente?
Por que buscamos Jesus sempre com uma cruz?
Já passou um tempo mas eu ainda sonho com você, por quê?
Se tivesse como eu pegar e te deletar, te matar de novo
Eu faria tudo de novo, eu juro que eu faria tudo de novo
Cada palavra, uma mentira
Cada gesto, uma traição
Cada sorriso, uma careta
Mas o que é verdade
Quando o assunto é eu e você?
Por que eu ainda sonho com você?
Por que a gente se machuca?
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6. |
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Tá chuvendo tem 24 horas
Aqui não chove tem mais de um mês
Eu não reclamaria se chuvesse
Eu não reclamaria se parasse de chover
O filme podia ter uma hora e quarenta
O filme é muito curto
O filme é muito longo
Não existe biografia boa
O Seedorf é molengão
Filme de terror novo não é bom
A comida tava morna o drink era meio fraco
Faltou alguém passar um corretivo na foto
Nenhuma banda boa durou mais que dez anos
O show tava cheio demais, o show tava vazio demais
A Pablo Vittar faz showzinho de pendrive
Bom mesmo é o show do Jack White
Barzinho bom é aquele que é sujo
Esse aqui é limpinho demais
Tem muita gente bem vestida
E o som é profissional demais
O homem só pode ser julgado por suas ações
Não pode ser julgado por seus pensamentos
Só se for de forma negativa
O que você fez pra concretizar os seus sonhos
É muito fácil criticar
É muito fácil comentar
Cadê seu livro que nunca vai sair
Cadê seu disco que nunca vai sair
Cadê seu filme que nunca vai sair
Cadê seu valor
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7. |
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Eu sou um filho sem sorte, que só nasci pra sofrer
Vivo triste e abandonado, sofrendo sem merecer
Pra mim não existe festa, uma vida feito esta
É muito melhor morrer
Eu sou um filho sem sorte, que só nasci pra sofrer
Vivo triste e abandonado, sofrendo sem merecer
Pra mim não existe festa, uma vida feito esta
É muito melhor morrer
Quando eu tinha quatro anos, minha mãe adoeceu
Papai fez todos esforços, comprou remédio e lhe deu
Pra minha infelicidade, eu fiquei na orfandade
Não teve jeito e morreu
Só ficou eu e papai, na maior lamentação
Pra me ajudar a sofrer, não ficou nenhum irmão
Fiquei sem prazer na vida, perdi minha mãe querida
E me botaram na pensão
Portanto, quem não tem mãe só nasce para sofrer
Passa a noite sem dormir, passa o dia sem comer
Sua caminha é um chão, e o seu consolo é um pão
Quando acha quem lhe dê
Os outros meninos passam por perto de mim, mangando
Porque tem roupinhas novas, as minhas velhas, se rasgando
Aumenta meu sofrer, mas se eu tivesse meus pais
Não vivia assim, penando
Se eu tivesse mamãe, não sofria tanto assim
Eu só tenho quatro anos, meu Deus, que será de mim?
Aumenta minha tristeza, parece que a natureza
Está separada de mim
De dia eu fico contente, à noite, eu sinto agonia
À noitinha, eu vou deitar na terra molhada e fria
E quando vou adornando, sonho mamãe me botando
Em uma caminha macia
Eu acordo e não vejo ela, aí começo a chamar
Mas ela não me responde, volto pra o mesmo lugar
De manhã procuro ela, depois acendo uma vela
E aí começo a rezar
Eu rezo para mamãe, pra o meu papai amado
Porque sou pequenininho nesse mundo separado
Agora vou terminar, peço pra não desprezarem
Os filhinhos abandonados
Agora vou terminar, peço pra não desprezarem
Os filhinhos abandonados, ei
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8. |
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Um dia eu tive um amigo
Mas ele não existe mais
Ele era um filho de apartamento
E do alto dos nossos castelos
Construídos com peças de lego
Ele era o primeiro a gritar
"Independência ou morte"
Ele virou um homem da lei
Que queria ver a derrota
De perto, com os próprios olhos
Um dia eu tive uma amiga
Hoje não a vejo mais
Ela era a madame da plebe
No dia que nós nos beijamos
Na ponte da ilha
Não sentimos a mesma coisa
“Nós não somos os mesmos”
Ela virou uma dentista
E fazia toda a gente sorrir
Com a perfeição das suas mãos
Com a perfeição dos seus olhos cinzentos
Um dia eu tive um pai, um tio
Mas ele não está mais aqui
E quando nós discutimos
Das pessoas que não conhecemos
E sobre o que fazer
“É loucura mas tem o seu método”
E ainda existe o milagre do vinho
E ainda existe o milagre das flores
Do canteiro da vovó
Passando na Fernandes Lima
Vendo a cobertura do Collor
Chorando pelos cinco bairros enterrados
Com os fantasmas futuros que
Rivalizam os da quebra de xangô
Uma visão que é muito forte
Mas ao mesmo tempo muito solta
É o destino do vidro se quebrar
É difícil depender de Maceió
É difícil defender Maceió
Eu passei minha vida inteira
Na minha cidade
Vendo carros indo e vindo
Em uma pista só
Mas não mais
Engenho, que se foda de onde venho
O importante é pra onde eu vou
Certa vez, eu tive um irmão
Mas ele não existe mais
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Vitor Brauer Governador Valadares, Brazil
Um mineiro de Governador Valadares que é compositor, produtor, membro das bandas Desgraça, Ginge, Lencinho, Lupe de Lupe, Tristeza Não Tem Fim e Xóõ, e criador e integrante do movimento Geração Perdida de Minas Gerais.
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