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Geração Perdida de Minas Gerais
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O Anjo Azul

by Vitor Brauer

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1.
Memória e sonho Somos criados com base em mentiras Mentiras que contamos pra nós mesmos Mentiras que criamos Sonhar é melhor que viver A realidade não é menos mentira que os sonhos Meu primeiro beijo Sempre conto como se eu tivesse beijado Liliane Mas não sei mesmo se foi Liliane ou se foi outra pessoa Ou quando foi Com o tempo eu fui elaborando essa memória Não sei se é memória ou se é sonho ou se é mentira ou tudo junto Pode ser que um dia eu sonhei com esse acontecimento E um dia contei como se fosse verdade E de tanto contar, com o tempo Eu acabei eu mesmo acreditando que isso aconteceu Mas não sei se foi assim A gente brincando de médico ou de casinha Com uma cabana feita de cobertas no meu antigo quarto Ou era na antiga sala de música Ela mexendo na minha barriga magra e pelada Como se fosse uma médica me diagnosticando E eu sentindo o cheiro do seu cabelo Seus olhos grandes perto dos meus Um beijinho... Memória ou sonho Memória ou sonho Sonhar é melhor que viver Minha primeira transa A gente não controla o que a gente sonha Nem o que a gente pensa Não me lembro do nome da garota Ou se eu inventei Ou se era Jéssica Uma mentira que apareceu no ensaio da minha primeira banda Ela tinha um piercing na língua e me dava um beijo molhado Seu rosto era rude e feio E não conversamos direito Mas eu tinha de transar Pra tirar aquela pressão do meu caminho de uma vez Não sei se foi bom Não sei se gozei Não se ela gozou Acho que pedi pra ela fazer sexo oral em mim E ela não quis fazer Mas eu conto como se ela tivesse feito E sinto como se ela tivesse feito Tenho a memória perfeita A sala escura e suja do ensaio Com uma bancada de concreto As pernas de Jéssica abertas A camisinha apertada Eu indo embora pra casa a pé Com um sentimento esquisito no fim da noite A verdade é que transei com outra pessoa antes Sonhar é melhor que viver Meu primeiro show Aconteceu no horto em Governador Valadares Ou foi uma apresentação de piano no Teatro Atiaia Não sei Os skatistas, os punks, os drogados Os adolescentes problemáticos, os suburbanos Todos estavam lá E um amigo que não tinha dinheiro pra ficar bêbado Aceitou uma aposta para beber gasolina Tomou dois goles e quase passou mal Não ficou bêbado E ficou com bafo de gasolina durante dois dias Ou pelo menos é isso que eu conto Provável que alguém me contou essa história E eu nem vi isso acontecendo de verdade Eu não sei Não me lembro Talvez eu inventei isso Ou eu sonhei com isso O que importa... Sonhar é melhor que viver Outro dia joguei Bloodborne pela primeira vez Sou muito fã dos jogos dirigidos pelo outro Miyazaki E a pergunta que fica depois do jogo é "Um sonho só é um sonho quando se vive a realidade Mas se você vive num sonho o que é a realidade?" Parece a coisa mais rasteira que existe E soa como uma pergunta sem resposta Pros nossos planos de entendimento No entanto, a palavra sonho como linguagem Abre outra possibilidade Sonhar na vida real é diferente de sonhar quando se dorme No entanto, se você pensar bem Não é E no final das contas A memória funciona da mesma forma A mentira funciona da mesma forma Acordar é o mesmo que esquecer Acordar é o mesmo que morrer Todos nós morremos todos os dias Ai, a primeira festa O primeiro corpo O primeiro sonho O primeiro amor Memória e sonho Memória e sonho Memória e sonho
2.
Infância 04:24
Com uma mochila e um caderno Eu andava em direção ao meu futuro Fazia meu trajeto diário de 4 quilômetros Encontrei meus amigos de bairro que iam também para o centro da cidade Na manhã fresca do interior eu olhava para a montanha gigante que impusera sua presença ao meu lado Alguns pássaros cantavam e faziam voos rasantes enquanto o ônibus que eu podia pegar, se tivesse dinheiro, acabava de passar Meus pensamentos eram efêmeros e arredios Pensar sobre o dia de aula que iria acontecer me fazia querer esquecer da minha vida e viajar para tempos longínquos Pensar sobre o encontro com a menina que eu gostava, ou que fui obrigado a gostar, também me causava estranhamento Tudo que eu queria era uma aventura que me tirasse daquele mundo Sem saber esse pensamento criou raízes no meu inconsciente Sem perceber eu estava numa selva, como no jogo que jogava na época E feito um Indiana Jones ou algo parecido eu via uma ruína de alguma civilização antiga a minha frente Tomado por um espírito de coragem, pois era tudo um sonho obviamente, eu adentrei a construção anciente Após vários passos me deparei com uma porta com cobras e aranhas desenhadas Pensando hoje em dia tudo me parece muito clichê Mas na época tudo que eu queria era esse tipo de clichê ao meu ver Tocando com a porta com a palma da minha mão esquerda, ela rangeu e se abriu, deixando cair poeira e pequenas rochas O que se abria então era um palacete repleto de ouro e pedras preciosas Não sabia como tinha chegado ali, ou onde era esse lugar A sala iluminada por tochas se apagou magicamente na frente dos meus olhos O que eu senti então foi um medo profundo Uma angústia Um frio Enquanto o suor saía dos meus poros por todo o meu corpo Não sei quanto tempo fiquei ali, só sei que me sentei em meio as moedas de ouro e por fim, me deitei O único barulho que se ouvia era o barulho da terra Ou seria da água Dos lençóis freáticos que eu ainda desconhecia naquela idade Um som grave, mas suave Um som que possuía uma densidade absurda Mas que embalava Com o tempo eu comecei a sentir uma paz Uma paz ainda desconhecida por mim Uma paz tão profunda que parecia exatamente o que me envolvia Uma paz tão profunda que parecia a escuridão Alguns anos depois, quando já me envolvia em problemas e preocupações reais Eu tive a mesma visão, agora alto, forte e confiante me mantive acordado. No início já sabendo o que me esperava, tentei compreender meus arredores, tentei buscar um entendimento, mas quando as tochas se apagaram eu não tinha nada em minha mente e em minhas mãos. Me forcei para não me deitar e dormir no palacete Eu sentia o peso das minhas pálpebras como grandes ogros empurrando pedras na direção da minha córnea Enfim, deitei, recostei minha cabeça nas duras moedas de ouro do palacete multicor que agora não tinha cor nenhuma Não existia saída, não existia caminho Eu não via nada Então pensei que talvez o caminho era um caminho que não se pode ver Como o som insistente da terra me levantei e caminhei Sem abrir os olhos senti uma luz grandiosa, quente, forte mas distante Andei em direção a luz e ao chegar mais perto senti uma brisa e um cheiro de mar Sem perceber estava a beira de um oceano Em uma arca Uma arca sem vontade e sem vida E um oceano calado Um oceano sem vida Mas um oceano que era só meu
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1 Pois cada sonho esquecido é uma vida não vivida Acordo no quarto de minha infância em Vila dos Cabanos, interior do Pará, Brasil E não sei quantos anos tenho, nem em qual fase da vida estou Mas isso não importa Pode ser um eu de antes, um eu de agora ou um eu mais velho Ou talvez seja uma interseção dos três Em 1958, Fumiko e seu esposo Noboro junto a seus quatro filhos Koji, Tadayoshi, Hitoshi e Maya Embarcaram de Saporu, Hokaido, norte do Japão Para uma viagem de quarenta dias mar adentro No barco Africamaru em direção ao Rio de Janeiro Era a segunda tentativa de imigração de Fumiko Que durante a segunda guerra mundial, na década anterior Havia aceitado a empreitada de ir cultivar ópio Nas ilhas kurilas no extremo oriental da Rússia Junto ao seu sogro e seu primogênito Koji Enquanto seu marido servia em território japonês Com os países encontrando seus desfechos na guerra Ela e sua família precisaram de percorrer a pé, por dias e em fuga Todo o trajeto até o porto que os levaria de volta para Hokaido A escolher o Brasil, seguir um sonho da terra onde tudo floresce Indo atrás de parentes já acentados ali O novo lar foi construído em Dona Mariana Uma região agrícula em Sumidouro, Rio de Janeiro E a cultura foi a do caqui Junto com os mesmos móveis de minha infância A minha antiga cama se encontra em um quarto nessa casa E sempre que durmo ali sinto num fechar de olhos Meu passado e futuro se entrelaçarem aos de minha família E depois de anos longe Eu aprendi a não medir a distância em quilômetros 2 Aos dez anos Na noite que soube que meu primeiro e único cachorro Não voltaria pra casa porque tinha sido atropelado Sonhei com minha mãe em uma ponte me sorrindo E dizendo que estava tudo bem Acordei no meio da madrugada e derramei pelos olhos Aos prantos pela primeira vez Aquele muito acumulado somado ao recém adquirido Não sei e nunca vou saber Se realmente tive esse sonho Ou se ele foi implantado em mim pela minha vó Que sonhava a mesma coisa E me fazia questão de me contar Sempre que a visitava em Volta Redonda 3 Existem sonhos que mudam a nossa realidade Em uma madrugada singular Levantei de minha cama na casa de meu pai em Botafogo, Rio de Janeiro E me mexer era como andar embaixo d'água Caminhei lentamente até a janela E pulei por instinto E ao invés de cair Flutuei como um balão Até ver a cidade inteira embaixo de meus pés Senti durante outra madrugada Uma presença estranha na mesma janela Ouvi ruídos que pareciam conversas inteligíveis Enquanto meu corpo, esquentado e paralizado Acordei com uma febre estranha que durou todo o dia
4.
Eu era só um adolescente Quando tive a minha primeira banda Eu só queria impressionar uma garota chamada Isadora Mas minha vida foi sendo levada Jovem assistindo filmes com garotas dos meus sonhos Na primeira oportunidade me esqueci de Isadora Mas eis que Isadora volta Isadora não estava no nordeste quando eu estava no nordeste Isadora não estava no sul quando eu estava no sul Isadora não estava no centro oeste quando eu estava no centro oeste Isadora não estava no norte quando eu estava no norte Isabel ficou em Belo Horizonte esse tempo todo Ou talvez em Valadares Pelo menos imagino que sim Porque nunca conheci Isadora Nem nunca vou conhecer Vendo você passar por aí Dentro da minha cabeça Soube que você era namorada de um cara idiota E que você era artista Mas quem nunca namorou alguém idiota e é artista Que taque a primeira pedra Com aspectos grandiosos Rosto comprido Nariz longo Cabelos, olhos e sobrancelhas negros como a noite Com um queixo protuberante e uma boca macia Com um olhar sempre semicerrado Digno de uma pessoa confiante em si mesma Isadora Todas as pessoas que conhecemos são tão a mesma coisa A única força que move a gente é a gente mesmo E nos iludimos em por a culpa nos outros Em por o peso nos outros Isadora provavelmente foi pulando de novidade pra novidade igual as pessoas normais fazem No início dos anos dois mil ia em pequenas casas de show ouvir bandas independentes No meio dos anos dois mil entrou na universidade e frequentou bares copo sujo e boates inferninho onde tocava pop Depois foi em festas de música brasileira no mercado municipal Hoje provavelmente vai em festas da música eletrônica organizadas em lugares escondidos para o público cult e os esquisitos E amanhã irá em outro lugar pois todos vão se cansar disso também Todo mundo cansa Isadora é uma ilusão criada por mim Saindo com outras pessoas Beijando outras pessoas Transando com outras pessoas Namorando outras pessoas Casando com outras pessoas Tendo filhos com outras pessoas E enfim morrendo em meio a outras pessoas A experiência é uma piedade dada por deus É a última gota de água de um poço há muito tempo exaurido E nós sempre ficamos presos em alguma coisa Essas coisas são a nossa vida A nossa existência se baseia em experiência E experiência é a nossa arte Experiência é a nossa vida Mas a experiência de Isadora qual será? Livre, tão livre e tão distante A experiência da liberdade Minhas fantasias se entrelaçam com minhas memórias e se fundem com os meus sonhos Sonhos antigos como andar pra frente Sonhos que são experiências Sempre tentando andar sobre um piso novo Mas que não é novo, é só a ilusão do novo E isso gasta rapidamente Ah, Isadora, mas o que sei eu sobre o novo? Tocar guitarra é tão antigo quanto respirar Cantar é tão antigo quanto existir E ser um homem branco tocando guitarra é um posto ridículo e medíocre Mas eu sou bom no que faço então o que mais eu posso fazer? Isadora, independente do que você acha que é novo ou não você está certa e você sabe Você sempre vai ter experiências novas Mas se prender ao novo é ser prisioneiro também É o mesmo que se prender ao velho É ser prisioneiro de si É carregar sua jaula pra todo o lugar que você vai A jaula pode ser um experimento que muda de ano em ano E é guiado por si mesma e por pessoas desconhecidas A jaula do novo é eterna e a gente carrega sozinho O peso é grande pra uma pessoa só Eu sei bem e sei que você sabe E não é ser mais feliz nem ser mais triste É só um jeito de ser Ah, mas como eu queria ser igual Isadora E como Isadora queria ser igual a mim Ela usava um relógio preto com o visor preto quadrado e uma cor mais clara no contorno Eu procurei aquele relógio em todas as lojas Mas nunca achei Seria engraçado aparecermos com o mesmo relógio Ou com o mesmo óculos de sol redondo Que combina tanto com seu rosto E talvez com o meu É o desespero de ser nada além de mim É o desespero de ser nada além de mim É feito tirar uma foto da lua É tentar mostrar seu mundo pra uma pessoa É nunca entender o que é estar nos seus pés É passar o dia juntos sem nunca ter de cada um ir pra sua casa Mas Isadora fez surgir uma escuridão em mim Ou me fez conhecer uma escuridão dentro de mim que já existia Uma gentil escuridão Em meio a dores e a silêncios Em meio a prazeres estranhos Em meio a uma paz sem fronteiras Em meio a uma violência sem limites Construída nos pensamentos sexuais destrutivos Resolvidos no quarto e na cama e nos móveis da sala e na cozinha e no banheiro E no silêncio No silêncio de um sonho não concretizado Na noite que nunca vira dia No desejo não cumprido Na fama procurada Até a enfim achada dessolução Isadora Isadora Tão perto, tão perto Mas tão longe Tão longe de mim e do meu mundo Pra sempre minha noiva, Isadora Minha companhia quando ouvi aquela música sobre o meu colo e era jovem Minha companhia quando estive sozinho e ouvia aquela música sobre a rainha do frevo e do maracatu Minha companhia quando todos queriam me matar Minha companhia quando chorei ouvindo aquela música sobre o braço do Jiraiya Você é a minha musa Livre e distante É melhor assim Mas eu tive um sonho com você Um sonho você nunca vai conhecer Que você nunca vai descobrir Um sonho que eu pus numa música que você nunca vai ouvir Um sonho em que você é livre pra ser feliz aonde você quiser Um sonho em que você pode viver em paz Um sonho em que a única jaula é a jaula da sua existência Eu estou preso dentro da minha cabeça Eu estou preso dentro dos meus sonhos e meus pensamentos Eu estou preso dentro da minha existência e das minhas experiências Eu era só um adolescente quando tive a minha primeira banda Eu só queria impressionar uma garota Dora ô dora Eu vim à cidade pra ver meu bem passar
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Mikhail Tal 04:53
Hoje enquanto eu dormia aqui Eu joguei xadrez com Deus Numa casa em Parati Seu rosto era uma mistura De Tom Jobim e Mikhail Tal E suas mãos eram as perfeitas Mãos do artesão fundamental Peão e4 Peão c5 Mikhail Tal jogou a defesa siciliana Enquanto jogávamos um jogo lindo Fiz então a pergunta soberana Como um ser onisciente não previu que iam comer a fruta E se previu que tipo de Deus puniria sua criatura No final das contas a criação é a responsável Por criar um ser humano tão facilmente alienável Peão f5 Peão b4 Após um tempo Tom Jobim me respondeu Talvez no fundo Deus só queira ser amado E o verdadeiro amor só vem da escolha criada por Deus E o ciclo se completa quando o criado é perdoado A verdade é que em qualquer universo ou sonho Por mais que seja maravilhoso ou medonho O pensamento original sempre se rebela E logo depois, se arrepende E se prende numa vida penitente A escolha da criação é não ter escolha E o ciclo sempre se completa O universo é como uma folha Ele pode ser moldado Mas mesmo se pensado de forma indireta Ele sempre será apenas uma folha Peão c4 Peão g6 E completou, você estava jogando muito bem até agora Com o rosto e a voz da Cate Blanchett aos 33 Nós sabemos bem que você só tá fazendo hora Mas é lógico que eu não vou ganhar de Deus E eu sei que a gente tá jogando um jogo que já foi jogado E é assim desde sempre, pelo menos é o que dizem os ateus Eles estão certos, ela respondeu, coitados Mas é uma contradição, você está aqui na minha frente Não sobre eles serem ateus, e sim sobre o eterno retorno Imagino que no final nada pode ser mesmo diferente Mas viver é sempre diferente, cada era tem sua beleza e seu entorno As vidas são sempre diferentes, por isso nenhuma deve ser desperdiçada Me conta como era a vida no paraíso. Ele riu e disse não, você não entenderia, sua cabeça é limitada Eu ri por cima mas ela viu que era forçado o meu riso E ela me deu uma olhada... Uma olhada que me desfacelou Uma olhada que me fissionou Bispo come cavalo c5 Bispo come bispo c5, cheque Nos últimos momentos do sonho eu era só corpo Minha mente que estava em cheque Agora Simone de Beauvoir diz "o que sou eu é a pergunta do estorvo O que me chama é o que pergunta o homem livre Você não deve se influenciar pelo que fazem as grandes metrópoles Preste atenção apenas no que te cative Preste atenção apenas no que te comove Pois muitos seguem o que os artistas idiotas dizem a céu aberto E os julgam como filósofos e gênios, apesar de só falarem lorotas Não se junte a eles pois em uma coisa você sempre esteve certo O mundo está cheio de idiotas Cavalo come bispo c5 Rainha c7 Rainha e3 Torre de a8 para e8 Torre e2 Cavalo come torre e2, cheque Rainha come cavalo e2 Bispo come peão g2 Cavalo come peão a6 Rainha a7, cheque Rei come bispo g2 Torre g8, cheque Rei h3 Rainha g7 Bispo d1 Torre e6 Rainha h5 Torre h6 Rainha come torre h6, cheque Bispo h5 Rainha come bispo h5 Cheque mate
6.
Taylor Swift 03:55
Eu cruzo meus dedos e quando levanto meu rosto Vejo Taylor Swift olhando a festa com desgosto Ela encosta em mim e diz "a gentileza também se cansa E a sua vai se cansar não importa quantos ela alcança" Eu digo "o livro mais vendido do mundo não é lido por ninguém" A língua no final das contas é o chicote desse corpo Ela ri e diz que não esperava isso de alguém Que vende o carro pra comprar gasolina sem esforço Você se aproxima e enquanto eu te beijava Eu mordi a sua língua e você gostou do beijo louco Então eu comi a sua língua e você desesperada Gritou eu te mato agora ou daqui a pouco? E disse "A destruição é uma coisa linda Eu sei que nos pensamentos você acha que sou uma ninfa E você está meio certo, pode ser que sou Circe Mas você vai ter destino diferente de Ulisses" Num estalo de dedos era pra eu ter virado porco Mas por acaso nessa noite eu tinha tomado um md Taylor Swift então impressionada com meu conforto Chupou meus dedos de Molly e me guiou a um bufê O açougueiro pensa na carne, o porco pensa na faca "Eu sei que você quer bater em um humano até ele falecer E depois não sentir absolutamente nada Destruir um prédio e a máquina do governo Monopolizar todas as mulheres e o dinheiro desse mundo Não ajudar nunca nem ao menos um enfermo Abrir na humanidade o buraco mais profundo e imundo Não produzir nem uma coisa, não deixar que nem uma grama cresça Fazer com que toda água vire fogo Esse é o verdadeiro sonho de qualquer um que não é uma besta Vou te apresentar alguém que te faz ganhar o jogo Que te ajuda na destruição completa do meio ambiente E dos seres humanos e do planeta Eu sei que é esse é o seu sonho doente Isso que você pensa enquanto chupa uma boceta" E enquanto nós trepamos em minha mente eu via uma aranha Escura como a noite, enfurnada num poço de banha Chegando mais perto Cada vez mais perto Eu sinto na cabeça a fúria do meu próprio impulso E ela empurra Empurra Empurra Empurra pra fora pra dentro pra fora pra dentro Fudendo com o mundo "Você andou por aí fudendo com o mundo E fudendo muito, fudendo muito Você trabalhou com vidro igual Letuce Mas só queria Letícia Novaes gritando me use e me abuse Você tem uma fixação com mulheres de um metro e oitenta" Eu sinto raiva logo existo Me sinto exposto, nada no meu mundo me sustenta E então entendo que não estou na presenta de Cristo Estou na presença de Lúcifer na pele de Taylor Swift E começo a descer e começo a descer Talvez minha maior virtude e meu pior pecado Seja a empatia que eu sempre tanto expus É sentir o caminhar de ambos Lúcif er e Jesus Por toda a existência esse tesão e amor descontrolados Uma existência contraditória e sem direção Afinal, todo mundo só quer ter amor e ter tesão Passear com a serenidade estampada no corpo A vontade com o próprio corpo Todo mundo só quer viver em paz "Vitor, às vezes ficar calado é experimental Você devia ter gasto dinheiro naquela casa espiritual Agora você acha que uma aranha é o Satanás" Meu sapato é feito de coro falso, meu coração é um problema Eu corro corro corro corro, eu trepo eu vou ao cinema Minha vida tem muita cor e gosto Abro as cervejas no dente, entorto o ferro do olho "Você foi um idiota quando achou que teria os sonhos de um homem comum Você é o homem e a mulher, você é Jesus e Satanás, você que é Xangô, Oxossi e Ogum Sonhos de um homem comum em seus palácios de marfim Mas aqui só existem palácios de cetim Corpos espalhados e ferro fundido A verdadeira forma desse mundo desunido Você jura jura jura que quer salvar todo mundo a esmo Antes de salvar o mundo você tem de salvar a si mesmo Mulher e homem você nasceu do pó e agora volta ao pó Eu trabalho com o vidro eu trabalho com o pó" Eu durmo e sonho com a escada de jacó Eu durmo e sonho com a escada de jacó Eu durmo e sonho com a escada de jacó Eu durmo e sonho com a escada de jacó
7.
Navegando na borda de inconstância Que delineia tudo que foi composto Por distanciamento e abertura Sinto que sou eu mesma uma ilha Assim como essa cidade aqui Nascida de uma desarticulação Quando eu pensei que o mesmo lugar Não poderia servir de abrigo A tantos corpos que se opõem Eu fui a origem segunda A renúncia e abnegação De toda fragilidade compartilhada Nós tentamos o exílio O silêncio, a lucidez E traçamos nossa derrota no mar Porque é nele que reconhecemos O referencial mais preciso De devir contínuo, errância e movimento Mais ainda que pudéssemos nos lembrar Do ponto exato em que a distância e a impossibilidade Foram estabelecidos como elementos tão norteadores Permaneceríamos incapazes de prever Tudo que se estenderia em fugas e deserções Como uma península que almeja ser ilha A ruptura com a província que guarda os resíduos sem vida Do que um dia pulsou jamais poderia ser concretizada As lembranças fantasmas se desdobram Nas suas pontes e ressurreições e ganham forma Tecidas pelos frágeis fios de fantasia Então eu sonho também com os dentes que caem Mas a língua que sobrevive pra contar a história Temos nos mantido em vigília Observando cada fragmentado de naufrágio Trazido pela maré Embriagados pelo horror de tudo que se rompe Sob o peso das palavras Mas por enquanto Tudo pode ser suspenso Dorme agora E aprende a deixar de ser Ainda que o estado natural seja a oscilação Entre a aceitação do findável E o sonho de mortalidade
8.
Chapecoense 02:32
É impressionante como já ninguém se lembra da Chapecoense Pois é, mas eu me lembro E como você espera que se lembrem de nós? Da vida e dos versos que um dia eu cantei Alguns podem até lembrar Do copo de vidro de uma cor nauseante Inundando com o fedor da corrupção humana Pratos e vasilhas batendo nas paredes Enquanto a voz do pai rugia pelos salões Depois de uma série de maldições rogadas Tudo que sobrou foram os choros das mães Nossa família já foi uma vez doce e unida Sadia e caridosa quando nos reuníamos E agora toda noite é um sono inquieto Toda manhã é difícil de acordar E assim vão dia após dia A angústia cava cada vez mais fundo Eu fui quebrado em vários pedaços Espelhando a cadência de um mundo familiar Num estágio de deterioração incessante Precipitando num rio de desespero Pra flutuar no limbo do resto dos nossos dias Num lugar que eu chamo de casa Num espaço que eu chamo de terra
9.
Cícero, Gustavo, Renan e Eu Sem nada a ganhar e com nada a perder A Lupe de Lupe se tornou mais do que imaginamos um dia Quando começamos só se existia uma vontade A vontade sem nome de fazer música Essa vontade foi se transformando numa ânsia Que por fim se tornou um sonho real Enquanto esperávamos uma banda que parecesse viva Uma banda que parecesse acordada Criamos uma nós mesmos Acorda, desgraçado, acorda A vida tá acontecendo e você aí Fazer música Fazer rock Sem ser chato Sem ficar criando só música lenta Ou só música dançante Ou só música pesada Ou só música leve Ou só música com riffs Sem seguir as regras do alternativo Sem seguir as regras de um disco de qualquer coisa Uma banda que fizesse discos que provassem que a música independente lo-fi dos pé rapado sem dinheiro podia ser o que quisesse E podia ser grande e ambiciosa E podia ser boa Sem nada a ganhar e com nada a perder Só porque era bom realizar esse sonho E sem perceber realizando esse sonho a gente ajudou o mundo a andar um pouquinho pra frente E ver ele sendo realizado foi majestoso Hoje estamos distantes um do outro Mas a Lupe de Lupe continuará pra sempre Ter banda é um ato generoso de amizade Todos trilhamos esse sonho com nossos próprios pés Mas saibam que nunca estamos sozinhos Abram os olhos e vejam todos que confiaram os seus sonhos em vocês Eu carrego a semente dos sonhos de inúmeras crianças e adolescentes e adultos e velhos Mortos e vivos Pobres e ricos Fortes e fracos Minha luta também é a luta de todos que não puderam continuar lutando Todos os que desistiram da música Todos os que desistiram das bandas Até os meus ossos rangerem Até eu perder a minha voz A luta dura pra sempre E pra ter uma banda é preciso ser generoso É fácil deixar a banda pra lá É fácil falar "vamos acabar com isso" É fácil botar a culpa na família É fácil botar a culpa no dinheiro É fácil desanimar É fácil desistir É fácil não ser amigo É fácil ser egoísta Difícil é continuar Se eu fosse um pouco mais fraco e mais egoísta A nossa banda já teria acabado Cícero em Maceió com sua namorada Gustavo na Austrália com sua filhinha Renan em Pelotas com seu diploma Era bem mais fácil mandar um abraço e focar em mim mesmo Era bem melhor pra mim Era melhor ser egoísta e fazer o nome Vitor Brauer Com uma banda que tocasse o mesmo estilo que a Lupe de Lupe Mas que chamasse Vitor Brauer E assim eu poderia investir de verdade Ter aquela conversa que eu nunca quis ter com os amigos produtores de São Paulo E ser dono da minha própria empresa que teria o meu nome Mas esse nunca foi meu sonho Gravar bem, cantar bem Fazer igual um paulistano ou um carioca É só arrumar um emprego no meio da semana E gastar dinheiro adaptando minha música pra todo mundo ouvir e gostar Minha banda, não a nossa banda Com baixo, guitarra e bateria Me adaptando para ser ouvido E não mudando nada no mundo Mas nada disso nunca foi meu sonho "Ah mas se não fosse o dinheiro" É fácil dizer Mas às vezes é difícil entender Dinheiro deixa cego O dinheiro escraviza E o dinheiro vem em várias formas Prestígio, prêmio, terno, farda, droga, sexo, melhor amigo e inimigo Mas um dia todos descobrem e se perguntam O que é dinheiro se você tá sempre entediado? O que é prestígio se você todos que te prestigiam são iguais a você? O que é um prêmio se todo ano muda o premiado? O que é um terno se todo ano muda a moda? O que é uma farda se todo dia alguém morre? O que é uma droga se você não tem felicidade? O que é sexo se você não tem amor pelos outros e por si mesmo? O que é um melhor amigo ou inimigo se a gente morre sozinho? O que é uma banda se você não tá impressionado? É difícil ter uma banda Uma banda que a gente considere nossa E eu preciso de manter viva essa banda Porque se não fosse por mim Estariam todos Cícero em Maceió com sua namorada Gustavo na Austrália com sua filhinha Renan em Pelotas com seu diploma Todos sem fazer música Todos sem uma banda E isso seria de uma perda tão grande para o mundo Uma perda tão grande, mas tão grande Que eu fico até sem palavras Eu tenho tempo livre e eu tenho disposição Então eu posso ser generoso Generoso com meus amigos E generoso com o mundo Pois o mundo merece ouvir mais músicas de todos eles E eles merecem ser ouvidos pelo mundo E isso se estende a todas as bandas que eu já tive e que um dia terei Faço o que faço E ajudo a empurrar o mundo pra frente A Lupe de Lupe vai continuar pra sempre Provando pra toda gente de toda raça, gênero, orientação sexual e classe Que dá pra fazer música No Brasil E do Brasil De qualquer jeito Do jeito que der Falando sobre tudo Cantando sobre tudo E você vai influenciar gerações e gerações de outros artistas Quando eu estiver velho E ainda fazendo o que eu amo Com a voz gasta E as juntas cansadas Eu vou agradecer A todos que me apoiaram nesse momento Mas principalmente a todos que tocaram comigo Todos que tiveram uma banda comigo Que me emprestaram seus talentos para que eu pudesse viver e viver e viver e viver E mudar o mundo Sem nada a ganhar e com nada a perder
10.
Drogas 03:39
Festa de aniversário da Marina, minha cunhada À noite numa cobertura do segundo andar De um prédio comercial no centro de BH Rua Curitiba se não me engano O chão de laje cimentada rachada mas com frescor de umidade Embaixo de árvores plantadas no segundo andar de um prédio comercial Uma piscina verde, dentro dela várias pessoas seminuas Mesas de plástico azuis e em cima das mesas bebidas, comidas e drogas Acho que nunca fui numa festa assim Mas me soa como algum reveillon A música toca alta e é esquisita, dropo um ecstasy Cinco minutos depois Benke e Ynaiã me chamam pra comprar mais cerveja Na loucura eu aceito Antes de sair vejo uma roda de cadeiras Jogando um jogo de tampar os rostos Como um ritual, mas é só Máfia Ao sair vejo que Benke e Ynaiã saem Mas também estão jogando o jogo Quem é o clone e quem é o real? Ou eles se separam em duas pessoas cada um? E a quantidade de pares e números dois embaralha minha cabeça Máfia e drogas Estranho, pois Marina não é uma pessoa das drogas Saio com meu par de amigos E imediatamente esqueço se são clones ou se são reais É madrugada nas ruas de Belo Horizonte E só os mendigos e crackudos e zumbis nos acompanham Estranhamente não sinto medo Pois não tenho nada a perder Naquela hora eu já percebia que era tudo um sonho Ou eu tinha enlouquecido de vez O trio acaba na casa de uma amiga em comum Alguma produtora de eventos, não lembro quem era Minha consciência pesa por conta de eu ter vazado Do aniversário da minha cunhada e minha namorada provavelmente está chateada E como estou muito louco não tem como eu sair dali sozinho Mas os meninos demoram tanto que eu sou obrigado a fugir escondido Porque se eu falasse que eu tava indo Eles iam me fazer esperar pra eles irem comigo Fiz que ia no banheiro, peguei no celular e fui pra porta fingindo atender alguém Eu tinha celular? Bem, acabou que desci do prédio e estava do outro lado da rodoviária e tinha de ir a pé Aparentemente estava rolando um protesto no complexo da Lagoinha E nenhum carro passava por lá Muita gente tilelê sentada e deitada no chão Algumas fogueiras, músicas e violão Um pesadelo assustador Juntei minha coragem e pra fugir dali tive uma ideia Ia pular do viaduto para uma bancada do lado de fora da rodoviária Subi na beirada de um dos viadutos e pulei E acabei caindo de mal jeito nos arbustos do lado de fora da maldita rodoviária Dentro dela, outra quest Pois ela também estava ocupada e estava lotada de gente e protesto Um casal me barra e fala que eu devia tá ali protestando também Não sei se conheço eles mas eles me conhecem Eu explico que estou numa festa da minha cunhada e... e realmente tenho que ir A menina de esquerda esbraveja que nenhuma festa é mais importante que a luta Eu comento que a luta deles vai ser outra amanhã Pra ela ficar tranquila que na luta de amanhã eu compareço Os dois ficam putos mas eu consigo fugir deles Encontro uma escada que dá pro sótão da rodoviária Que não existe De lá pulo pra área do estacionamento que dá pra Afonso Pena Dou graças a deus e digo que nunca mais vou usar drogas No estacionamento encontro Fefel e ele me diz que tava guardando minha jog Pego minha jog, como se eu tivesse uma jog, agradeço e vou embora Já amanhecia e tinha passado umas doze horas que eu tinha saído Me preocupei se a festa já tinha acabado Chegando na festa vejo que ainda tá rolando e que todo mundo tá muito louco Minha namorada não liga de eu ter demorado E eu falo duas palavras: explico depois Ela ri e vê que eu não tenho pupilas Na festa chego perto de Ventura e Cairê Que estão discutindo algo bobo sobre conexão de aeroporto em Recife Eles riem e eu rio e dou graças a deus que estou com meus amigos Mas estou incomunicável Então me dá um calafrio Deixei a jog ligada do lado de fora do prédio Desço com Cairê e Ventura e a jog não está na porta Eu fico com muita raiva pois ela era a minha jog Eles perguntam será que ela foi roubada ou será que ela foi multada O centro da cidade já está pegando fogo com gente trabalhando pra cima e pra baixo Rua Curitiba se eu não me engano Do nada, Kennedy chega e me dá uma guitarrada no pescoço Eu caio no chão e quando olho minha jog que estava pendurada numa árvore cai do meu lado E eu penso no menino que sonhou com o pokemon dizendo tá tudo bem agora Eles me ajudam a subir com a minha jog e me preparo pra usar drogas pra comemorar Mais um dia normal
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eles escreveram fogo na porta da minha casa enquanto motoqueiros atiravam pro alto confundindo os cachorros a minha vizinha vendia drogas por whatsapp na esquina e pode escolher a mae dela tem deficiencia mental e transa com um homem que a agride regularmente a minha vizinha correu de casa as criancas dormiam sonhando com armas a igreja ainda nao despertou eles escreveram fogo na porta da minha casa e essa nao eh uma metafora eu nao tenho mais tempo pra experimentar a rua espera meu proximo passo pra me julgar a policia espera meu proximo passo pra me matar os artistas esperam meu proximo passo pra me seguir a minha familia espera o meu proximo passo pra se orgulhar e eu volto sozinho os bares sao lotados os jovens sao confusos e o clima eh quente eles escreveram fogo na porta da minha casa eles atacaram a minha escola e apedrejaram a minha sala estupraram a minha professora mataram o meu amigo marcado desde os 15 anos e me fizeram rir disso tudo quais sao as suas expectativas saindo do fim do mundo? os pais ingressam na igreja atras de magia os jovens consomem musica atras de magia nos viramos cachorros na cama transando com o olhar distante nos somos uma forca so rasgando a cidade em motocicletas pulsando e talvez gostando disso sendo uma coisa significante em meio a tudo o que acontece sonhando acordados caindo em desgraca sonhando acordados
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Dois 03:10
Quando nós conhecemos Já de início nós soubemos, meu irmão Que não ia durar Que não íamos durar Sempre que eu te dizia Sua vida é tão vizia, meu irmão Você não quis ouvir Você nunca quis ouvir Quando eu quis te proteger Das vitórias que você, meu irmão Sem saber destruiu Sem saber que Um só não faz verão Um só sempre acaba enlouquecendo Um só vai se perder Um só vai ter sua redenção Não sei se por ironia Juro que eu não sabia, meu irmão Vinha aí a cegonha Toda solta e sem vergonha Amanhecia uma vida Tão singela e tão sofrida, meu irmão Que eu nunca previ Que eu nunca sonhei Eu sei bem por qual razão Não pedi sua opinião, meu irmão E chamei-a de Vitória Dei um nome a nossa História que você não viu Nós dois Sempre fomos bons irmãos Eu cantei um breve sermão Mas você não sentiu e nem ouviu Dei um nome a nossa história Travestida de memória Dei um nome a nossa história Travestida de memória Hoje mesmo minha filha Sente falta da matilha, meu irmão Que nós dois a negamos Sem saber ali falhamos De todas as maneiras que há de amar e machucar, meu irmão Nós nos amamos Nós nos machucamos Meu desejo mais profundo É passar por esse mundo, meu irmão E acordar e descobrir Que isso tudo foi um Sonho Em que fomos irmãos Um sonho Em que fomos irmãos
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Tem um lance que não para de me atuzigar, Faz tempo eu queria comentar e é o seguinte: Sempre que te vejo em algum lugar Lembro de quando a gente andava junto, De como a gente tinha assunto pra caralho E hoje mal conseguimos nos cumprimentar. Tem uns lances que sempre vou lamentar nessa vida, Tipo o fato de Teresina não ter mar, Pessoas iguais a minha mãe que nunca, Mas é nunca mesmo, nunca vão mudar Nem por mim nem por ninguém, A língua dela cê conhece bem, né?! Tipo meu irmão também Me achar sem noção Por eu seguir uma religião Como a Umbanda e simpatizar com o Candomblé, (Logo meu irmão, preto como eu), Com o Tambor de Mina, o Terecô, a Jurema, Tranquilo, isso nem é problema E cada um faz o que quer Em Romanos, capítulo 12, versículo 3 Diz que Deus deu a cada um uma medida diferente de fé. Mas voltando, foda que essa situação entre a gente É meio idiota, parece coisa de adolescente E se a gente quiser, a gente pode resolver Estamos vivos, moramos na mesma cidade, Talvez você só não sinta saudade, Pô, mas sempre massa te ver. Você ficou com o original de um poema que escrevi tem uns anos já E você disse que lia toda noite antes de dormir, Depois guardava na sua caixa de semi joias. Nem lembro mais o que tinha escrito. Espero que depois de tanto tempo Pelo menos ainda sõe bonito Como o dia em que a gente se conheceu na Tenda da Mãe Zelina, Cê entrou na gira, saudou os ogans, abraçou seu Zé, mó gente fina, Já toda malandra, pitou com as preta véa e brincou com os Erê... Idália, o tempo é um incêndio consumindo nossas lembranças... Muitas vezes cheguei a me questionar se teria sido algum vacilo meu Porque a gente se afastou real e na moral Até hoje me pergunto o que diabo aconteceu. Talvez você tenha passado por isso, Só que em relação a alguma outra pessoa. É o tipo da coisa que tá sempre rolando Com todo mundo a todo instante, eu creio. Às vezes quero me apegar ao senso comum, Acreditar que isso vem para deixar a vida mais interessante, Sei lá, no mínimo mais intrigante, Só nada, talvez você esteja passando por isso nesse momento E eu nunca vou saber, infelizmente estamos distantes. Mas é isso, “ter saudade até que é bom, É melhor que caminhar vazio”...
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Ouvindo Sabiá da Elba Ramalho E Suíte dos pescadores do Dorival Caimmy pela primeira vez A calçada é a sala de estar do pobre Brincando de pique esconde no matagal atrás do Sexto Batalhão Eu vi minha infância passar Minha mãe me pôs na escola de música com 3 anos de idade E aprendi meus primeiros acordes no piano Curioso como não lembro de nada As maiores emoções vinham jogando bola, chutando paralelepipedo Algum tempo depois vi o Brasil sendo Tetracampeão e dei o meu primeiro beijo Aonde ela está? O que ela faz hoje em dia? Talvez eu nunca vá saber Já gostava de uma garota chamada Sara Que eu sonhava em ser minha namoradinha Ouvindo Offspring pela primeira vez Ouvindo rock pela primeira vez E me apaixonando Aos 11 anos larguei a escola de música que fiquei tantos anos E chorei Logo depois aprendi a tocar contra-baixo e entrei na minha primeira banda Uma banda de usários de drogas e deliquentes com mais de vinte anos Foram bons tempos Ouvindo Outkast e me emocionando com música pela primeira vez E criando um romance na minha cabeça Eu sinto falta da inocência desses tempos Mas em pouco tempo algo de profundo e doloroso e noturno nascia em meu coração Uma noção da existência absurda e um autoconhecimento brutal Apesar de estar ao redor de todas as drogas eu não usei nenhuma Talvez por bondade dos meus companheiros de banda Que não deixavam eu usar no início Ouvindo Deftones pela primeira vez e tocando Deftones Logo depois eu transei pela primeira vez e usei drogas pela primeira vez Aonde ela está? O que ela faz hoje em dia? Talvez eu nunca vá saber Sequer lembro do nome dela Logo depois que transei comecei a beber e a fumar Descobrindo Chico Buarque aos 15 anos comecei a tocar violão E principalmente a pensar em talvez ser um músico de verdade Aí a inocência acabou A partir do momento que eu vi que eu conseguia roubar as coisas, que eu conseguia ser um bom ladrão, eu aprendi a tocar violão de verdade e não parei depois disso Criando sua própria música a música perde um pouco do valor Ou ganha um valor diferente Mas depois desse dia eu nunca mais ouvi música da mesma maneira É um privilégio poder tocar um instrumento É um privilégio ter uma banda Mas ao mesmo tempo é um fardo Quando você aprende a tocar uma música Ela perde um pouco do seu valor Ou ganha um valor diferente não sei Mas as coisas começaram a ter outros valores Sexo, bebida, dinheiro Tudo que todo mundo queria era ter um boné Von Dutch e um V3 Me fala quantos de nós tivemos um V3 e um boné Von Dutch original? O que isso diz sobre a gente? Nós não mudamos Hoje em dia a gente quer ter as mesmas coisas com outros nomes O mundo não muda, é a gente que tem de tentar mudar Até os 16 anos a gente tava bebendo na calçada Jogando conversa fora Vendo todo mundo passar Fumando escondido Mas então eu criei uma banda com o Gustavo e outros amigos Uma pequena fagulha do que seria a banda Lupe de Lupe Não existia sequer a ideia de gravar as próprias músicas Não existia sequer a ideia de gravar Mas já compunhamos e tocávamos em festas para os amigos e inimigos Foi brilhante Ouvindo Arctic Monkeys e então ouvindo Los Hermanos Eu sinto falta desse tempo O passado dura pra sempre Eu estava certo A internet só chegou para todos nós com 16 anos E com a internet o capital E com o capital as ansiedades E com as ansiedades a faculdade batendo na porta Ouvindo Tom Jobim e João Gilberto e Kanye West pela primeira vez E me emocionando Eu cresci sem rédeas, descalço e sem camisa Eu ficava na rua o dia inteiro Mas algo muda quando a gente faz sexo Algo muda quando a gente ganha dinheiro E nessa época todos fodiam muito E fodiam com o mundo Quando eu era novo eu só pensava Você ainda vai ver Você ainda vai ver a beleza que eu tenho Dedos médios pra cima todo o dia Sem preocupações nem lei Então, entrei na UFMG pra cursar letras E ouvi Lupe de Lupe pela primeira vez quando tocamos juntos E ouvi ninguém é perfeito, Elliott Smith gostava do rush Mas eu me emocionei com a ideia de fazer parte de uma banda que ia lançar discos Menor o valor de um homem , maior o seu orgulho E toda a violência que fez parte da minha vida foi voltando a minha memória Toda a violência que eu tinha esquecido e deletado da minha história E com a violência a ânsia de vencer A vontade de provar pra todo mundo que eu também posso O que havia sido criado na minha cabeça desda primeira vez que ouvi Nas Agora se solidificava Letras, letras, letras Eu tinha de fazer letras boas e as pessoas de alguma forma iriam me ouvir Ouvindo Sonic Youth pela primeira vez Sentindo que cheguei tarde demais para fazer música Mas que era divertido demais fazer música Nessa época li uma passagem do Lovecraft sobre o mundo dos sonhos que foi reascendida recentemente jogando Bloodborne "Pois embora Kuranes fosse um monarca no mundo dos sonhos, com todas as pompas e maravilhas, êxtases e belezas, êxtases e deleites, novidades e excitações imagináveis ao seu alcance, ele teria graciosamente renunciando para sempre a todo seu poder, luxo e liberdade por um dia abençoado como um simples garoto naquela pura e tranquila Inglaterra, aquela antiga, amada Inglaterra que moldara seu ser, e da qual sempre seria uma parte imutável" No entanto, agora Inês é morta Ouvindo Bob Dylan e se emocionando Eu sentia que aquilo eram as músicas dos deuses Imperfeita do jeitinho que os deuses criaram nós humanos Humanos que foram um dia cantados por deuses E então foram criados Era óbvio que tinha de cantar sobre a realidade E sobre a realidade eu cantei Mas qual a diferença entre realidade e sonho afinal A única diferença é o acordar Acordar Olhar no espelho Escovar os dentes Tomar um banho A existência é uma mentira Morrer é como desligar a tv Morrer é como acordar Ouvindo Burial pela primeira vez Ouvindo Kyary Pamyu Pamyu pela primeira vez Ouvindo Krallice pela primeira vez Ouvindo Gil Scott-Heron pela primeia vez Ouvindo Gipsy Kings pela primeira vez Ouvindo Earth Wind and Fire pela primeira vez E me fortalecendo com tudo isto que foi criado nesse mundo E tendo o luxo de dizer que não sou obrigado a ser amigo de gente chata igual você Igual você Igual você Eu já tenho centenas de amigos Tenho uma namorada que eu amo E nesse momento aprendi que o mundo é feito de idiotas E apesar de tudo que eu faço e mudo Eu era mais um deles Infelizmente A ignorância é uma dádiva Cesar chorou porque não tinham mais mundos para conquistar Aos 23 anos lancei minha primeira mixtape Aos 24 anos fiz minha primeira turnê Aos 25 conheci conheci minha namorada que namoro até hoje Aos 26 lancei mais discos e fiz mais uma turnê Aos 27 lancei mais discos e fiz mais uma turnê Aos 28 estou aqui lançando mais discos e fazendo mais turnês A existência é uma mentira Mas nas noites de sofrimento e desespero Eu sinto um amor tão grande por tudo o que eu fiz E por todos que eu conheço e pela minha namorada Que, com a boca doendo de tanto beijar Com a língua gasta de tanto transar Eu me deito E parece que o dia começou de novo Parece que a vida começou de novo E é um dia lindo e é uma vida linda A música foi uma forma de me ligar com milhares de pessoas E que amor que eu sinto por todas essas pessoas É de tirar o fôlego Eu tenho sorte demais E quando eu estiver no leito de morte vou dizer Foda-se, o monolito negro sempre me pareceu uma lápide mesmo Enfim Com 28 anos eu ainda sou forte, resistente e tão cego quanto o meu pai
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Kos 04:06
Kos Alguns dizem Kosm Como nós chegamos nesse ponto? Por que você deixou que eles te usassem? Por que deu vida a esta abominação? É por piedade? Ou por uma vontade intrínseca de elevar todos a sua grandeza? Ó, deusa da água, dos rios, dos mares, da correnteza, da chuva e do batismo Eu sou seu filho, afinal Você que criou outras serpentes e conchas e sorridentes lesmas do mar E transformou todos em peixes e seixos Quando nasci eu fui acalentado por palavras dignas de um rei Mas feitas por homens e suas línguas pérfidas "Contempla o elemento sem o qual nenhum mortal pode viver Receba essa água celestial que lava toda impureza do seu coração Filho, recebe essa água divina que deve ser bebida para que se viva Que se lave e se livre de todo o seu infortúnio Parte da vida desde o início do mundo Essa água tem o poder único para opor toda a desgraça Em que parte de você está escondida a tristeza? Deixa esta criança Hoje ela nasce de novo nas águas saudáveis em que ela é banhada Como é encarregado pela deusa do mar" Então cresci, com você mas sem você Você que tinha de cuidar de todo mundo ao seu redor Adolescente, me juntei a outros para te ajudar Erguemos rochas e carregamos tijolos para construir uma ponte aos céus Que nunca foi concluída As pessoas perdem o interesse As pessoas perdem a bondade As pessoas perdem a motivação As pessoas perdem o amor As pessoas perdem tudo Quando querem ganhar algo Enquanto o sol se punha atrás da lua Te convenceram que sua gentileza era desonesta Te convenceram que você tinha buscas egoístas E você chorou rios de sangue durante 52 anos E o dilúvio destruiu cidades e estados e países e continentes E para afogar meu pai e todos os pais Você me afogou também E nas profundezas do atlântico eu entendi Porque João testemunhou o apocalipse Porque João escreveu as palavras mais lindas que os humanos já puseram seus olhos Centenas de anos depois você encalhou na areia Suja, destruída e com parasitas por todo o seu corpo divino Eu também me pus a andar novamente Mas hoje estou velho E carrego a lua como uma placenta Eu nunca parei de me perguntar Por que você deixou que eles te usassem? Por que você deixou que eles te usassem, mamãe? Por que deu vida a esta abominação? Fundida a ferra e fogo e sangue e lágrimas Seu corpo e alma batizados noutro culto profano Ó, doce criança de Kos Retorna ao oceano Uma maldição sem fim Um oceano sem fundo Acolhendo tudo que foi e que é e que será nesse mundo

about

"O Anjo Azul" é o terceiro e último disco de spoken word de Vitor Brauer, que completa a trilogia com "Nosferatu" e "M".

O disco foi produzido por Vitor com instrumentais produzidos por Cadu Tenório, João Victor Santana (Carne Doce), Hugo Noguchi (Ventre), Barulhista, Benke Teixeira (Boogarins), Bruno Abdala, Paola Rodrigues, Lise, Kastelijns, Victor Vieira-Branco (Trio Repelente), Cairê Rego (Baleia) e Sentidor.

O disco contou com o apoio de inúmeros investidores no apoia.se de Vitor Brauer.

credits

released November 17, 2017

1 - "Memória e Sonho" produzida por Cadu Tenório.
2 - "Infância" produzida por João Victor Santana
3 - "夢 - Yume (part. Hugo Noguchi)" produzida por Vitor Brauer
4 - "Minha Pt.1 (Isadora)" produzida por Barulhista
5 - "Mikhail Tal" produzida por Benke Teixeira
6 - "Taylor Swift" produzida por Abdala
7 - "Ancorados no Espaço (part. Jujz)" produzida por Vitor Brauer
8 - "Chapecoense" produzida por Paola Rodrigues
9 - "Minha Banda Pt.2 (Lupe de Lupe)" produzida por Lise
10 - "Drogas" produzida por Pedro Kastelijns
11 - "Caindo em Desgraça (part. Theuzitz)" produzida por Vitor Brauer
12 - "Minha Banda Pt.3 (Vitor Brauer)" produzida por Victor Vieira-Branco
13 - "Dois" produzida por Cairê Rego
14 - "Idália (part. Valciãn Calixto)" produzida por Vitor Brauer
15 - "Aqui Seria o Aeroporto" produzida por Yukio
16 - "Kos" produzida por Sentidor

Produção final e master por Vitor Brauer.

Lançado pela Geração Perdida de Minas Gerais.

Agradecimentos a Cadu Tenório, João Victor Santana, Hugo Noguchi, Barulhista, Benke Teixeira, Bruno Abdala, Paola Rodrigues, Lise, Kastelijns, Victor Vieira-Branco, Cairê Rego, Sentidor, Jujz, Theuzitz e Valciãn Calixto por me emprestarem seus talentos. E um agradecimento especial a todos os apoiadores do apoia.se, graças à vocês que eu posso continuar fazendo essas coisas. Obrigado.

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Vitor Brauer Governador Valadares, Brazil

Um mineiro de Governador Valadares que é compositor, produtor, membro das bandas Desgraça, Ginge, Lencinho, Lupe de Lupe, Tristeza Não Tem Fim e Xóõ, e criador e integrante do movimento Geração Perdida de Minas Gerais.

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