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Encontros e Despedidas
04:25
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Mande notícias do mundo de lá
Diz quem fica
Me dê um abraço venha me apertar
Tô chegando
Coisa que gosto é poder partir sem ter planos
Melhor ainda é poder voltar quando quero
Todos os dias é um vai e vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim chegar e partir
São só dois lados da mesma viagem
O trem que chega é o mesmo trem da partida
A hora do encontro é também despedida
A plataforma dessa estação é a vida desse meu lugar
É a vida desse meu lugar
É a vida
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3. |
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Eu já estou com o pé nessa estrada
Qualquer dia a gente se vê
Sei que nada será como antes, amanhã
Que notícias me dão dos amigos?
Que notícias me dão de você?
Alvoroço em meu coração
Amanhã ou depois de amanhã
Resistindo na boca da noite um gosto de sol
Num domingo qualquer, qualquer hora
Ventania em qualquer direção
Sei que nada será como antes amanhã
Que notícias me dão dos amigos?
Que notícias me dão de você?
Sei que nada será como está
Amanhã ou depois de amanhã
Resistindo na boca da noite um gosto de sol
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4. |
Clube da Esquina Nº 2
03:26
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Por que se chamava moço
Também se chamava estrada
Viagem de ventania
Nem lembra se olhou prá trás
A primeiro passo asso asso ...
Por que se chamavam homens
Também se chamavam sonhos
E sonhos não envelhecem
Em meio a tantos gases lacrimogênios
Ficam calmos calmos calmos...
E basta contar compasso
E basta contar consigo
Que a chama não tem pavio
De tudo se faz canção
E o coração na curva de um rio rio rio rio...
De tudo se faz canção
E o coração na curva de um rio ...
E o rio de asfalto e gente
Entorna pelas ladeiras
Entope o meio fio
Esquina mais de um milhão
Quero ver então a gente gente gente...
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5. |
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Nunca pensei um dia chegar
E te ouvir dizer:
Não é por mal
Mas vou te fazer chorar
Hoje vou te fazer chorar
Não tenho muito tempo
Tenho medo de ser um só
Tenho medo de ser só um
Alguém pra se lembrar
Alguém pra se lembrar
Faz um tempo eu quis
Fazer uma canção
Pra você viver mais
Faz um tempo que eu quis
Fazer uma canção
Pra você viver mais
Deixei que tudo desaparecesse
E perto do fim
Não pude mais encontrar
O amor ainda estava lá
O amor ainda estava lá
Faz um tempo eu quis
Fazer uma canção
Pra você viver mais
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6. |
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7. |
2013
03:29
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Minha querida,
2013 foi um ano complicado pra todos nós
Perdemos muito sem ganhar muita coisa
Vimos pessoas que amamos serem levadas embora
Mas a vida é feita de que afinal?
O que ganhamos com cada ano que passa? Experiências e só?
Há um ano eu lançava minha primeira mixtape.
Foi um longo caminho de lá até aqui.
Em julho, no meio das manifestações, eu senti uma leve brisa de liberdade no meu peito.
O sol banhava de ouro as nossas cabeças antes das bombas atingirem a massa.
Era como se por um momento ninguém tivesse dinheiro ou fosse empregado ou tivesse casa própria ou tivesse família ou qualquer resquício de qualquer questão social.
Algumas pessoas podem falar que alguns estavam ali para reivindicar isso ou aquilo ou que outros estavam ali só pra pegar mulher.
Mas o que eu senti dentro do meu coração ninguém pode levar embora.
E eu aposto que eu não fui o único, eu não posso ter sido o único.
Era como o anúncio de novos tempos para todos nós.
Talvez um anúncio de que teríamos algumas dificuldades pra passar esse ano.
Mas esse ano e esse tempo passou, como tudo, coisas boas e ruins, tudo passa.
Feito o sonho com o corvo, feito o sonho com a caveira, feito o sonho com a liberdade
Foi só mais um sonho que passou.
Mas é importante lembrar desse sonho.
Existiram momentos nesse ano em que eu me sentia tão sozinho e tão sofrido
Com uma angústia envenenado que eu levava dentro de mim.
Mas eu venci o sofrimento e você venceu também.
E eu tenho certeza que quem tá te vendo lá de cima tá com muito orgulho de mim e de você.
Você sabia que em algumas culturas, um ano como este significa simplesmente sofrimento por causa das maldades e dos pecados que cometemos em vidas passadas ou em nossa vida presente?
Mas não aqui e não para mim.
Um ano como este significa um novo começo.
Precisamos lavar nossos pés para andar novamente, precisamos lavar nossas almas para amar novamente.
O mundo é tão enorme que às vezes eu me sinto tão pequeno, tão pequeno, como se eu fosse um pequeno mecanismo de um grande relógio.
Mas ninguém sabe que relógio é esse. O relógio do mundo.
Se você para e pensa que não precisa de seguir o ritmo desse relógio, você pode simplesmente parar.
Como se o relógio fosse a sociedade e a gente não precisasse de agir de acordo com as normas desse sistema injusto que nos massacra dia após dia.
Mas eu acredito em outra coisa...
Acredito que o relógio é um sistema inconcebível para nós humanos. O relógio do mundo funciona sem a gente saber com quem vai e nem pra onde vai.
E quando a gente se sente bem e faz o que que quer quando quer, a gente ajuda a movimentar esse relógio gigantesco que faz as coisas seguirem pra frente.
O tempo passa, a gente se sentindo bem ou mal, mas o mundo só se move de vez em quando, é ou não é?
Cada um acredita no que quer na realidade.
2013 passou e com ele a notícia ruim. É meu aniversário de novo. Dessa vez, o segundo desde 1988 que eu passo longe de você.
As pessoas vem e vão, já dizia o gênio.
Mas eu digo, as memórias ficam pra sempre.
Bem, pelo menos durante um bom tempo.
Espero que você esteja se lembrando de mim porque eu sempre vou me lembrar de você.
Que venha mais um ano para todos nós e com ele um novo começo e uma nova vida.
Com muito amor,
Vitor
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8. |
Mamãe
03:03
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Eu me arrependo tanto
Do dia em que parei
De te chamar
De Mamãe
Desde aquele dia minha vida tem sido esse vai e vem, esse vai e vem, esse vai e vem
E quando todas as mães da nossa rua
Davam carrinhos caros pra mais tarde os seus filhinhos comprarem outros carrinhos
Você me deu o que existe de mais precioso
Você me deu o tempo, mamãe
Pois um dia eu vou te dar orgulho
Viajar por aí cantando pra todo mundo
Como eu sei o que sou e como eu sou astuto
Justamente por você ter me dado todo o tempo nesse mundo
Você me deu esses amigos que até hoje carrego comigo
Quando todo mundo a criticava por deixar a casa cheia de meninada
Você não ligava mamãe
E apesar do meu sorriso não ser um dos mais lindos
Tudo que você queria era me ver sorrindo
Mamãe
Às vezes era difícil ficar só eu e você
Contra todos, contro todos
Mas isso me fez mais forte, mamãe
Me desculpa por não ser atleticano
Por não ter feito tantos planos
Ter demorado 20 anos
Pra escrever essa canção
Dizendo que te amo tanto
Mamãe
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9. |
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Assim como ninguém explicou o início
As ondas continuam a chegar na costa
Tudo corre sempre em direção ao fim
Os copos caem e as cidades se amontoam em nossas costas
Amar o perdido deixa confundido este coração
Ainda que os dias continuem a nascer
Os ônibus andem, os outros durmam
Meus pés tropeçam em suas pernas
E eu calo a boca ao seu lado
Nada pode o ouvido contra o sem sentido apelo do não
E por que é que não estamos satisfeitos?
Ou por que é que tentamos não estar simplesmente bem com o que é perfeito?
E duvidamos de uma vida lúcida
Depois de alguns cortes encontro vocês, meus amigos
Que também são vidro, cortam e quebram
Tudo por ter duvidado de que não seria assim tão trágico
Mas bom
E volto a sentir areia nos meus pés
As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão
Duvidei e talvez ainda duvide
De que tudo isso tenha como acabar bem
E de tantas outras coisas que hoje são tão bobas
E talvez um dia eu ria de tanto duvidar
De que a vida pode ser grande, com vocês
Em geral a gente tenta não deixar manchas
Nem gritar muito alto só pra manter a ordem das coisas
A dor é muda e a rotina caminha lenta
Acumulando concreto em nossos corpos
Num gigantesco escombro que chamamos de casa
Eu não me esforço pra lembrar
Daquele dia em que nos reconhecemos
Do amor que eu sinto pelo amor que você sente
Por todas as coisas que não sou eu
E por todos os ossos
Esses anos passaram rápido
E eu não pude notar o momento da despedida, pela segunda vez
Talvez eu tivesse dito alguma coisa
Talvez eu tivesse pedido desculpas
Por não ter sido perfeita
Mesmo sabendo que nunca estamos satisfeitos
E por que é que não estamos satisfeitos?
Ou por que é que tentamos não estar simplesmente bem com o que é perfeito?
E duvidamos de uma vida lúcida
Mesmo que visse pouco, eu te vi naquele bar
Num dia em que nada fazia sentido e nem tinha valor
Eu vi em você o amor ébrio e talvez alguma pena,
Você me levou pra casa e abraçamos uma despedida
Como quem dá adeus a um dia único
Depois disso encarei o chão entorpecida e com vergonha da verdade
Vi a areia suja em nossos pés
A noite segue seca
E assim como ninguém explicou o início
Longe, as ondas continuam a chegar na costa
Tudo corre sempre em direção ao fim
Os copos continuam a cair
E amar o perdido ainda deixa confundido este coração
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10. |
M
09:24
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Hoje eu deixei a minha guitarra de lado, junto com a minha insegurança sobre tudo que sou eu. Nascido no dia 29 de dezembro de 1988, já vim ao mundo na hora errada. Mas desde então eu tive orgulho da minha data. Por muitos anos ela foi só minha. E eu até hoje divido ela com poucos que conheço. Todos da minha família esperavam uma mulher que chamaria Maria. Eu seria uma linda menina. Me pergunto se quando eu ouvisse Daniela Mercury, sendo Maria, como eu ia me sentir. O meu primeiro contato com a música talvez seria algo ainda mais forte. Algo que eu ia me lembrar por toda a vida. Daniela Mercury chegaria com sua força feminina e me mostraria quem eu queria ser quando crescer. Minha mãe me pôs na escola de piano com 3 anos de idade. Se eu fosse Maria, ela também ia me colocar. E durante toda a minha infância, eu dividiria minha atenção entre minhas amigas, a música e os desenhos que assistiria. Sim, eu seria uma pequena flor desengonçada, magra e frágil. Mas eu seria linda.
Aos 6 anos de idade, num ponto em que eu fiquei com pena de uma garotinha feia e a convidei para ser meu par na formatura, porque ninguém se interessava por ela, eu seria aquela garota feia, e talvez não existiria um garotinho bonitinho com pena de mim, e eu acabaria dançando com o brutamontes horrível do 3º período. É estranho como nos lembramos de coisas tão pequenas e no entanto tão definidoras do caráter de cada um. Ao chegar no colégio primário, com todas as meninas odiando os meninos, eu escolheria o meu preferido, que não seria o preferido do resto das meninas, seria um garotinho que parecesse com meu personagem favorito do Carrossel ou Chiquititas, que eu assistiria na época. E carregaria aquele meu pequeno amorzinho durante um bom tempo. Minha infância ainda duraria ainda muito após o meu primeiro beijo, num garoto do bairro, sob pressão das amigas e dos amigos.
É triste, mas possivelmente, eu não conheceria tantas pessoas igual eu conhecia quando garoto. Uma menina, filha única, seria colocada sob os olhares de toda a família, diferente de um menino, que como eu, pode crescer na rua e com uma casa cheia de amigos o tempo todo. Eu seria um pouco guardada, como uma flor, ainda a ser desabrochada.
Talvez com 12 anos eu largasse as aulas de piano por ter conhecido o rock por bandas de punk do mundo e da minha pequena cidade. E, como eu não seria boa nem em dançar, nem em cantar, talvez eu traçasse o mesmo caminho que tracei nessa idade. Começaria a tocar baixo, nem pensando em entrar para uma banda, mas com a raridade que é uma garotinha tocando baixo, talvez eu entrasse para minha primeira e única banda. Pois eu não teria o incentivo que sempre tive para tocar música. As pessoas me olhariam com desrespeito, como se eu não conseguisse tocar ou como se eu fosse apenas mais uma garota numa banda, e o máximo que eu tocasse bem, não seria o suficiente para me fazer lutar e continuar num ambiente masculino e mais velho quase na sua totalidade. Minha família não deixaria eu sair com esses meninos também e, após 10 anos de piano e música na minha vida, talvez eu começasse a pensar em deixar de lado tudo que eu amei durante tanto tempo. O que foi uma infância repleta de amigos na minha casa, música, videogames e alegria, talvez seria muito mais solitária se eu fosse uma menina. Mas eu não seria triste, igual eu sou, eu acho. A minha natureza derrotista, como homem, não seria diferente como mulher, é claro. Eu desistiria de muitas coisas, por talvez nem saber que elas eram possíveis de serem feitas naquela idade.
Tendo meu primeiro namoradinho com 14 anos, possivelmente quebraria com as minhas próprias derrotas e barreiras anteriores e me tornaria uma menina das chamadas revoltadas do colégio. Talvez nesse ponto eu conhecesse algumas das minhas amigas que tenho hoje no mundo real, mulheres inteligentes e fortes, que tiveram uma adolescência conturbada e difícil numa cidade igual Valadares, onde todo mundo tenta mandar na sua vida, e se você beija mais de dois homens você já é conhecida como vagabunda. Eu pintaria meu cabelo e ficaria conhecida como a drogada do colégio, assim como eu fui conhecido mesmo na vida real. Mas, infelizmente, não levaria para frente a minha vida musical, por ter deixado ela pra trás à tanto tempo.
Perderia minha virgindade com meu primeiro namorado, talvez por não ligar tanto pra esses tabus de virgindade numa época em que começaria a me tornar uma intelectual. Todas as discussões que tive na adolescência seriam as mesmas como menina, provavelmente. Eu seria feia, magra, desengonçada, mas tão arrogante e com tantos ares de superioridade que acabaria atraindo olhares de homens por aí. Começaria a fumar e a beber, e pegaria vários caras depois do meu primeiro namorado. Ganhando o amor e o ódio das outras meninas. De maneira nenhuma, eu não teria essa parte destrutiva da minha personalidade que precisa de atenção e de amor e de ódio. Até que um dia me apaixonaria por um dos garotos do grupo dos roqueiros da cidade, e sentiria realmente o que era prazer e sexo. Minha primeira verdadeira paixão seria com esse rapaz arrogante, teimoso e esperto que me faria esquecer de quase todos os garotos que tive na cama e na vida. Eu me sentiria preenchida de verdade, de forma completa, no coração e no ventre. Com 17 anos eu finalmente desabrocharia.
Chegando a época dos vestibulares eu abriria mão desse namorado, por posições opostas sobre tudo que é a vida. Mas minha paixão pelo mundo, pelo cinema, pela música e pelas artes em geral, me faria seguir em frente de forma tranquila com ares de maturidade. Eu provavelmente tentaria o vestibular de psicologia na UFMG, e passaria, mesmo que demorasse um ano a mais. Pensaria em talvez começar a escrever e quem sabe um dia, virar uma escritora. Conhecendo o novo mundo e a linda Belo Horizonte, teria minha primeira experiência homossexual com uma das garotas do curso, como é natural. Agora, mais bonita e dona de mim mesma, atrairia atenções por minha personalidade forte e minha misteriosa e atraente transparência. Minha vida não seria mais tão solitária. A imagem que eu, Vitor, criei durante tanto tempo, talvez seria a mesma como Maria. Aqui em Belo Horizonte, depois de namorar com uma menina, eu encontraria uma estranha versão de mim mesmo, chamada Vitor. Hahaha! Eu teria nascido aqui mesmo, e seria de uma família rica, mas honesta e seria um dos seres humanos mais inteligentes que já conheci em vida. Vitor seria o homem mais parecido comigo e talvez por isso mesmo não daria certo. Eu veria as minhas qualidades e defeitos nele, como num espelho, e tudo que no início me trazia amor e carinho, no fim das contas me traria frio e tristeza. E eu acabaria aqui, no mesmo lugar que estou, escrevendo esse texto, sobre como eu seria diferente se tivesse nascido um homem. Talvez eu lançaria esse texto como o meu primeiro texto como escritora. Apesar de tudo, meu destino não seria diferente, aqui em Belo Horizonte eu finalmente conheceria todos os amigos que hoje carrego comigo. E eu os uniria, como hoje em dia eu os uno. Minha missão nessa terra tem sido unir as pessoas, isso pode parecer bobagem, mas hoje em dia eu sinto que é verdade. Tanto com minha música, quanto com minhas amizades, quanto com meus amores. Na minha adolescência eu me transformei numa espécie de líder, sem querer ser um líder, e até hoje carrego essa cruz que é a minha maior vitória. Uma menina criada por mulheres num mundo de homens seria muito diferente do que eu sou, um menino criado por mulheres num mundo de homens. O mundo me faria demorar mais pra ver o líder que existe em mim mesmo. Mas eu venceria. Como eu venci aqui. De alguma forma, no final das contas, eu consegui me livrar de todas as pernas que me ajudaram a me erguer, mas que me seguravam no chão até agora. Minha mãe, minha Minas Gerais e minhas mulheres. Chegou a hora de me livrar do M maíusculo que me guiou até aqui, para me reerguer com minhas próprias pernas, voar e viver.
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Vitor Brauer Governador Valadares, Brazil
Um mineiro de Governador Valadares que é compositor, produtor, membro das bandas Desgraça, Ginge, Lencinho, Lupe de Lupe, Tristeza Não Tem Fim e Xóõ, e criador e integrante do movimento Geração Perdida de Minas Gerais.
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